outras criações de setembro
não pode pôr o dedo aí
aqui neste momento
depois do que pareceram oito mil carros passando logo ali embaixo, agora está tudo tão quietinho.
o tédio é uma bênção, mas que coisa mais sem graça.
se me contradigo, então me contradigo e tudo mais. em frente.
todo dia parece um pouco como perder o último degrau da escada. um tanto de imprevisível e não exatamente agradável.
fico pensando em quanto o que vejo do mundo agora parece absurdo, sem sentido, inimaginável.
também me pergunto o quanto isso diz do mundo e o quanto isso diz da minha capacidade de imaginar.
lá depois do absurdo também deve ter coisa boa. se não, por que seria tão popular? quando escolho desdenhar do que não faz sentido para mim, perco a chance de entender alguma coisa.
prefiro pensar que o que está acontecendo lá além da minha compreensão também poderia acontecer aqui. e isso é tão assustador quanto instigante.
quero evitar explicações unilaterais, porque o que o outro é eu também sou.
que crenças e descrenças sustentam o meu mundo como ele existe agora?
por que é desse jeito e não de outro?
tenho pensado na responsabilidade de estar a todo momento criando histórias, nas virtudes e nos perigos daquilo que inventamos.
é coisa demais para esquecer que acontece.
é potente demais para não ir explorar ali onde ainda não dá pé.
como interagir com esse potencial de forma cuidadosa?
se sei que o caos atordoa, coleciono amuletos, rituais que me ajudam a confiar e a estar aberta à surpresa. tudo isso faz parte de aprender a navegá-lo, identificar seus atrativos e suas armadilhas, escutar suas leis que avisam:
fique só até a meia-noite, aprecie com moderação, não entre na floresta proibida, contorne com cuidado a linha que leva à loucura.
como aprender a conversar com o que é irracional para nutrir o que virá? que linguagens são necessárias para entender o que não pode ser medido nem calculado?
a vida não tem juízo e nunca terá, mas o medo não criará nada.
como perceber, criar ou convidar as histórias que desejo habitar?
desejos e convites
convidar formas responsáveis de conversar com o que é irracional
saber rir na cara do perigo, rá
uma prece para outubro
e se agora eu me recusasse
a ser só um amontoado de células
e se entre nascer e morrer
criasse algo de esplêndido
ainda que fosse mínimo
e num discreto perímetro
se fizesse a descida à loucura
de olhos muitíssimo abertos
se num quarto, num canto do mundo
vivesse, construísse, amasse
igual fazem nas histórias
nada além do trivial
que é o inevitável da vida
mas deixando um pingo de mágica
disfarçar a falta de graça
e se a gente andasse por aí
com uma cara de ‘nem te conto’
e na hora de inventar o futuro
aumentasse quem sabe um ponto?