outras criações de julho
coisas preciosas perdidas, coisas preciosas ressignificadas
aqui neste momento
agora mesmo começa a chover forte, e a chuva parece uma cortina na janela. embora escondido, o mundo continua ali.
penso que quando o banal do cotidiano estreita a perspectiva também é um truque assim. e o banal é um luxo.
a cortina é desfeita quando o caminhar dos dias parece uma lenta espiral que desce cada vez mais fundo, cada vez mais fundo… até lá onde dói olhar. o banal era uma bênção.
no fundo há o terror, o desconhecido. o fundo do fundo é o não saber.
certa dimensão da incerteza que só se acessa com o corpo.
nas emergências dos hospitais, no silêncio do telefone, na ausência de respostas — esses espaços de torturante espera.
espaços sobre os quais a impermanência projeta sua longa sombra.
lá onde as coisas se desfazem, o banal insulta como um desaforo.
haver-se com esta impermanência é intenso.
no fundo há que existir também algum encantamento.
por isso tenho pensado na força do simbólico, em amuletos para ter algum amparo, para descarregar os excessos que o corpo precisa suportar.
desejo buscar uma mágica, um encanto, uma prece. negociações com o desconhecido.
alguma ancoragem que sirva para lembrar a cada momento que ainda há vida para ser vivida.
e que assim seja.
desejos e convites
negociações com o desconhecido.
praticar a reverência.
saber criar ou reconhecer amuletos.
uma prece para agosto
o que não se pode dizer sobre a dor
é que lhe falta o poder da síntese
no trecho estreito do fundo
de uma garganta
caminhos são poucos
o espaço é árido
o tempo comprime
como um punho fechado
ali convém cair
feito um raio, de joelhos
aprender em segundos a súplica
que assume não saber
se a chuva vem
se haverá pão
se o pior já foi
se nasce o dia
e que se deus quiser
ensina também
a humildade franca
que conhece o terror
e ainda assim conforta
a pedir por sorte, lembrar
de cantar a alegria
e se a dor vier, deixar
que o mundo cante de volta