outras criações de agosto
nada, nada
aqui neste momento
o ar está parado, as folhas estão paradas, faz silêncio. até o tempo parece parado. há certa expectativa na imobilidade.
ando pensando em incertezas, inseguranças e crenças.
penso nisso porque é impossível saber de tudo, e não saber dá medo.
penso nisso porque não há possibilidade de que algo vá durar para sempre; não há garantia sequer de que algo vá durar muito tempo.
penso nisso e na pergunta aguda que surge quando estamos sofrendo: por quê?
tende a ser debilitante tentar existir num abismo sem respostas. é onde se proliferam dores, desconfianças, fraturas.
quero encontrar formas de aprender a equilibrar alguma sã esperança com as responsabilidades de cuidar, compartilhar, cooperar aqui e agora.
quero acreditar em caminhos para aprendermos a cuidar uns dos outros. caminhos tortos, imperfeitos, insuficientes, equivocados. caminhos possíveis.
desejo cada vez mais experimentar um exercício cauteloso e urgente de confiança no presente.
e já que a certeza é uma fantasia, quero conseguir pelo menos contar uma boa história. algo que me faça acreditar o bastante para continuar construindo.
lembrar que reconhecer-se um pequeno componente - somente uma parte ínfima, vulnerável - do cosmos ensina a humildade. ensina o medo.
ao mesmo tempo, mostra também quão extraordinário é finalmente reclamar nosso mínimo lugar na teia do universo.
é a fragilidade que todos temos em comum. pode ensinar a pertencer.
é talvez depois de nos conciliar com esse desamparo que aprendemos a conviver com as perguntas que não têm resposta.
quando podemos tentar reinventar formas afetuosas de confiar e de criar em meio ao abismo.
quando enfim nos reconhecemos no mistério, porque também ele é inexplicável.
desejos e convites
amar as perguntas.
apostar na generosidade.
aprender a me enganar das formas mais frutíferas possíveis.
uma prece para setembro
imersa no cosmos instável
feito um cometa, um conceito
contando apenas para isso
com a suspensão da descrença
se surpreender de relance
o instante em que a vida atravessa
lembrar a versão da história
que não proíbe a surpresa
saber ocupar com sossego
um espaço passageiro
como o que se molda à mudança
para recomeçar na incerteza
tecida a teia humana
querer confiar em seus laços
e estar presente no mundo
pela via do cuidado
alegrar-me com o possível
neste inaugurado momento
indirigível e urgente
de reinventar sem saber