estou pensando em nuances.
em como pode ser ambíguo escrever palavras como "florescimento" e "integridade" sem ter muita ideia do que está sendo dito, sem saber exatamente o que significam.
penso no embaraço que é desejar coisas grandiosas e transformadoras mesmo sem saber o que está do outro lado da transformação.
como reconhecer o que busco? como procurar, se ainda não conheço bem o que são? quando me encontrar com essas coisas, se um dia encontrá-las, acho que eu já nem serei mais eu.
por isso mesmo, não gostaria que o que digo soasse muito definitivo.
vejo uma performance de confiança constante, e o peso das palavras escritas é tão grande que, às vezes, eu olho para elas e só enxergo o perigo das certezas.
seria tão mais confortável dizer que sei o que fazer sem vacilar, seguir numa ilusão de segurança, dizer que conheço o caminho. infelizmente ou felizmente, eu sei que não sei de muita coisa.
mas aqui está o que penso: a experiência vivida tem uma qualidade diferente, uma textura muito própria, e não é tão simples traduzi-la sem perder alguma nitidez. por isso as nuances.
quero me afastar da lógica que achata a experiência em fórmulas, que tenta ignorar alguns de nossos modos mais íntimos e esquece que somos em boa parte segredo, ambiguidade e confusão.
ainda não entendo tão bem o que estou dizendo, sabemos pouco do que estamos fazendo, e muito do mundo acontece no improviso. mais do que eu gostaria de admitir.
a linguagem abstrata serve melhor a falar de experiência humana, onde o bem e a crueldade se misturam sem cerimônia, e nós que façamos o esforço de desenrolar.
mas eu mesma não domino essa língua e, além do mais, o sonho contado nunca parece tão tangível quanto o sonho sonhado.
é bem melhor aproveitar esse lugar ambivalente sem a ambição de explicá-lo ou de consertá-lo, mesmo que seja só um pouco, só mais cinco minutinhos. será possível passar um tempo sem saber?
esse esforço aqui não é o de relativizar a maldade nem de justificar nossos piores defeitos. é um exercício de humildade, de querer lembrar que tudo é mesmo mais complexo, muito mais demorado, muito mais enviesado e até muito mais feio e falho do que me permito notar.
e dizer isso é uma desproteção absurda, a incerteza assim exposta.
o medo e o constrangimento por não saber o que está acontecendo e por saber demais dos meus erros podem levar a uma espécie de cinismo defensivo. ignoro a confusão por não querer me encontrar com ela e admitir meu despreparo.
finjo que não me importo, consumo distrações, construo explicações que contornam essas áreas de sombra.
queremos ser alimentados com a segurança de que as coisas vão melhorar com toda a certeza, de que vamos superar as dificuldades, de que nenhum mal nos alcançará, mas sabemos muito bem que isso é fantasia. sabemos?
não existem soluções definitivas nem respostas absolutas, é o que estou tentando ensinar a mim mesma.
quero alcançar o alívio de ter dúvidas e de compartilhar dúvidas.
certezas podem ser opressivas, e eu estou pensando na incerteza como esse susto constante, que pode ser um jeito de aprender.
quando a gente pula pra fora da história conhecida, o mundo é como um vão, e é preciso deixar a realidade invadir de novo as compreensões engessadas.
tudo é desequilíbrio, tudo muda. o corpo muda, o mundo muda, o coração muda. tudo é relação, tudo é mistério, todos temos desejos, necessidades, forças e fragilidades. acho melhor que a mente entenda isso também.
vivemos numa longuíssima sucessão de agoras, que é o que sempre foi, mas acho que eu não percebia. a todo momento, quero aprender a perguntar: como posso agir melhor agora? e agora? e agora, como fazer?
pensei que não existe linha de chegada, e estou tentando descobrir o que significa dizer isso.
quero nutrir o ânimo para acordar todos os dias diante da hostilidade e continuar humana, continuar imaginando, continuar me perguntando como ser melhor.
é cansativa e é nossa a responsabilidade de aprender a viver em um mundo imprevisível, desigual e em transição. aprender como é não estar nem aqui nem lá, como conviver com a nossa natureza contraditória.
aprender a abrir espaço para tudo que não é definitivo, experimentar outros caminhos e servir de testemunhas uns para os outros nesse esforço.
todo mundo precisa aprender um pouco mais, eu sei que eu preciso, e acho que só podemos começar desse jeito: vendo logo o que está na nossa cara.
está tudo diferente, parece tudo muito perigoso, vai ficar tudo muito novo. e só poderemos contar uns com os outros.
cultivar essa compreensão é uma responsabilidade enorme, porque não há caminho de volta.
quero ter essa coragem.
e quero fazer um exercício de discernimento, de saber o que deixar aqui e o que levar para esse mundo que se abre agora.
mas eu conheço muito pouco, minha memória falha com frequência e, muitas vezes, me falta disciplina. se tiver de contar somente com esses atributos para viver de forma mais amorosa e mais íntegra, não tenho lá muita fé de que vou conseguir.
esses registros são também a tentativa de iluminar trajetos nebulosos, de articular o que parece importante para mim.
apostando que assim, talvez, essas qualidades encontrem menos dificuldade de se manifestar no concreto e no real.
quero diminuir os vãos que vamos percorrer ou, ao menos, enchê-los de algo que nos faça bem.
mesmo que bata a insegurança ao dizer coisas que parecem grandiosas, eu tento acreditar que, na prática, fazer o bem não pode ser algo tão longe assim, tão inatingível.
me abater pela impotência também não me serve de nada.
e se a vida ou o acaso já farão uma série de escolhas por mim, é preciso me atentar para o que de fato posso fazer.
uma dessas coisas está bem aqui, é tentar ser clara e intencional no que quero praticar.
também aprender a não saber, compartilhar medos e inseguranças, tentar decifrar o caos, tentar encontrar sentido.
o que eu tenho é isso, o que posso oferecer agora é dizer que eu também não sei o que está acontecendo aqui.
eu também estou com medo. eu sinto vergonha por não saber. eu queria que tudo fosse mais fácil e também quero acreditar que é possível viver melhor.
aliás, na medida do meu alcance, eu quero descobrir como podemos viver melhor. bem devagar.
tudo será trilha, podemos parar e respirar a qualquer momento, ufa, o ponto de chegada não existe.
se você quiser, agora podemos ficar um pouco por aqui. perdidos e juntos.
ep1
este vídeo é, na verdade, uma mensagem de áudio legendada. se quiser ouvir, basta clicar para abrir no navegador.
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